O Centro de Educação Popular e Pesquisas Econômicas e Sociais (CEPPES) retoma suas atividades num momento especialmente significativo. Depois de mais de uma década de hegemonia neoliberal, os povos do mundo inteiro dão maior intensidade as suas lutas, como observamos nos encontros antiimperialistas, na luta contra a guerra e nas eleições de candidatos associados a estes movimentos.

O mundo, neste início de século XXI, está inevitavelmente marcado pela crise capitalista. A crise que vivemos é uma crise cíclica, geral e estrutural do mundo de produção capitalista, pois é possível identificar nos fenômenos econômicos que assistimos desde 1973, os aspectos gerais que caracterizam as crises capitalistas, como o agravamento da tendência relativa na queda da taxa de lucros e a superprodução relativa; a sua abrangência é global, na medida que os Estados Unidos já não conseguem empurrá-la para a periferia do sistema. Recentemente, o Conselho Nacional de Assuntos Econômicos dos Estados Unidos reconheceu que a recessão atingiria a economia daquele pais desde março de 2001.

Esta situação coincide com a unipolaridade que caracteriza o mundo pós-guerra fria. Depois da queda da União Soviética e do bloco socialista, o capitalismo tem ampliado sua capacidade de trazer guerras e misérias. O chamado de bem-estar social, onde ele foi mais consolidado, está ameaçado, nos países onde mal começou a se esboçar, como no Brasil, as pequenas conquistas estão sendo retiradas.

A guerra assume importância cada vez maior na estratégia imperialista. São guerras não para conquistar a hegemonia mundial, mas para manter a hegemonia dos Estados Unidos e “torná-la absoluta e inelutável, do ponto de vista militar, para através da mesma, tornar a hegemonia econômica das oligarquias financeiras inquestionáveis e absoluta”. Os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono revelam os limites do poder militar dos Estados Unidos e na sua resposta, a arrogancia e a face terrorista do Estado americano.

Neste novo tipo de guerra, os alvos civis são priorizados para se estabelecer o terror na população, impedindo a sustentação dos governos locais. O Iraque denuncia a morte de mais de 500 mil crianças da Gurtta do Golfo, a população iugoslava foi contaminada por urânia. O que está em marcha é um genocídio que visa exterminar 80% da humanidade, considerados perfeitamente descartáveis na ótica capitalista.

Da mesma forma que na Europa, como atestam os importantes movimentos de resistência antiimperialista em Davos, Gotemburgo, Genova e outros, na América, as lutas têm se desenvolvido, desde o enfrentamento do Exército Zapatista de Libertação Nacional, no México, passando pela luta das guerrilhas colombianas das FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colombia – Exército do Povo) e ELN (Exército de Libertação Nacional), até o recente plebiscito, realizado no Brasil, onde dez milhões de pessoas disseram não ao ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas), como também nas eleições presidenciais, onde a oposição ao neoliberalismo recebeu 76% dos votos. A ampla participação da sociedade na realização do plebiscito, apesar dos limites da pesquisa, representou uma importante manifestação de vitalidade dos movimentos sociais no Brasil, a lembrar mobilizações como a campanha “O Petróleo é nosso” e a campanha das Diretas. A luta pela reforma agrária prossegue hoje através de organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e Aliança dos Povos da Floresta, que congrega seringueiros e nações indígenas. Retomando tradições de luta dos quilombos, Ligas Camponesas e outras, os movimentos sociais do campo, no Brasil, enfrentam uma estrutura fundiária das mais concentradas do mundo.

A experiência mais significativa dos povos que habitam o continente americano é o fato de terem sido todos colonizados. E assim contribuindo na formação do capitalismo, permitindo a acumulação interna, propiciada pela expropriação do campesinato europeu, o saque colonial verteu para a Europa o sangue e o ouro dos povos desta terra e daqueles que para aqui foram transplantados. E a experiência da colonização ´w  dramática, degenera tanto aqueles que são seu objeto como os colonizadores. Na resistência e na sublevações à indignidade encontra-se a superação, forma primordial de se construir identidade, que nascerá do gesto de rebeldia, nunca de conformismo.

No enfrentamento ao interesse estrangeiro, associado aos agentes internos que o respaldam, os povos americanos tem desenvolvidos feitos memoráveis. A luta pela nacionalização da industria do petróleo, certamente, é um deles. A atitude de Lázaros Cárdenas, estatizando as empresas petrolíferas estrangeiras, em 1938, influenciou um tipo de nacionalismo que vai acontecer com Perón, na Argentina, e com Vargas, no Brasil. No México, tal medida foi a culminância da Revolução de 1910 e das mobilizações operarias da década de 30. Entre nós, nas décadas de 20 e 30, a luta anti-imperialista e antioligárquica assumiu a forma das rebeliões de 1922 e 1924, onde se destaca a heroica Coluna Prestes, primeiro movimento popular não derrotado pelas oligarquias, polo de aproximação entre militares de esquerda e comunistas e da resistência antifascista de 1935. De 1948 a 1953, presenciamos a arrojada luta anti-imperialista do “petróleo é nosso”, a luta contra a Guerra da Coréia e pela paz e as importantes mobilizações operarias, como a Greve dos 300 mil, em São Paulo, em 1953.

Nas décadas de 50 e 60, são as revoluções boliviana de 1952 e a cubana de 1959 os novos elementos unificadores. A revolução cubana, com imensa repercussão em razão de sua definição socialista e permanência até nossos dias, funcionou como condutor da energia revolucionária a percorrer as terras americanas.

No auge da dominação neoliberal, o levante zapatista de 1994, no mesmo dia em que o México se integrava ao NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), retoma a tradição  de luta anti-imperialista dos povos americanos. Os índios guerrilheiros do sul do México se levantaram e apontaram oara seus irmãos da America, a situação de extrema miséria em que vive a maioria dos povos desta terra travam pela conquista de sua dignidade os aproximam, cria profundos elementos de identificação. Daí ser extremamente perigoso para as classes dominantes o conhecimento dessas lutas. E o descaso com o ensino de sua história não é fortuito.

A crise mundial atinge o Brasil na primeira metade dos anos 70. A década seguinte foi marcada pelas exigências dos organismos financeiros internacionais no sentido de cumprimentos as obrigações da divida externa. Depois de comprometeram o crescimento interno com tais compromissos, iniciamos o período seguinte, marcados pelo aprofundamento da mesma orientação, agora acrescida da entregado patrimônio estatal ao capital monopolista internacional. A crise na Ásia, em 1997, revelou a amplitude do problema, não um simples ataque conspirativo, como muitos apregoavam e, para a economia brasileira, o resultado foi o aumento da submissão às oligarquias financeiras internacionais.

O Brasil, no início do século XXI, tem profundas contradições, onde se destacam a riqueza potencial e efetiva do pais e a imensa pobreza de sua população. Somos 169,6 milhões de habitantes, distribuídos em 8.514.204,9 km2, 81% nas zonas urbanas, mortalidade infantil: 33,6%; mortalidade juvenil (só na cidade do Rio de Janeiro morrem 650 jovens por ano vítima de tiros); o analfabetismo vai além dos índices, apenas 40% da população economicamente ativa passam pela escola fundamental e podem ser considerados analfabetos funcionai, pois : 0,750%; taxa de fecundidade: 2,3 filhos por mulher (a significativa queda no crescimento da população brasileira não melhorou a distribuição de renda – em 1988, 35,65%  da população vivia com menos de dois salários mínimos).

A crise capitalista, as crises políticas e os conflitos, e o desenvolvimento das forças produtivas (terceira revolução industrial) exigem de todos aqueles envolvidos no projeto de construção de uma nova sociedade – igualitária, democrática e socialista, um acompanhamento e preparação permanentes, que os tornem capazes de responder aos imensos desafios de nosso tempo. Podemos nos apoiar no Manifesto de fundação do CEPPES, que assim afirmava em 1988:

As analises e diagnósticos da realidade brasileira [e mundial], através das diferentes visões políticas apontam e colocam claramente, para além das divergências de ordem ideológica, uma questão de ordem prática e inexorável: trata-se da construção de meios para racionalizar a discussão e, com isso, cria-se pontos de fusão e cooperação entre todos que buscam caminhos para superação da problemática.” (...) “O capitalismo, sem dúvidas, par além do quadro negativo expresso pela sociedade de classes, trouxe dados positivos e um destes dados é a necessidade de cooperação entre aqueles  que lutam para superação desde tipo de sociedade, o tempo do “gênio” e das “livres forças do mercado”, hoje – quase virada do século XX ao XXI – não existe, a não ser quando “produzido” por marketing e etc. Hoje o herói é obra de ficção e o vilão é a própria destruição da ficção”. (...) “Para isto, é imprescindível criar-se um ponto de fusão entre teoria e prática, cooperação e intercambio – intelectuais, movimento operário e popular, partidos ou organizações políticas – de modo a responder ao desafio que nos coloca o momento histórico”.

A retomada das atividades do CEPPES, reafirmamos nosso compromisso com a formação política, a pesquisa científica e o intercambio cultural.

A formação política se impõe como propriedade no processo de transformação social. A luta cotidiana das classes sociais exploradas exige subsídio capazes de dar eficácia à sua intervenção na sociedade. No caso di Brasil, a situação é mais grave em razão da violência tradicional das classes dominantes contra as mais elementares manifestações de rebeldia popular, deste os quilombos e a resistência indígena até as lutas recentes. Ainda sofremos o vazio de lideranças que a representação seletiva da ditadura militar de 1964 criou, torturando e assassinando aquelas lideranças mais preparadas. Este é o nosso desafio atual, formar politicamente as classes exploradas para aprimorarem seus instrumentos de luta e conquista da cidadania.

A educação deixa de cumprir o seu papel de formação permanente se nçao caminhar lado a lado com a pesquisa cientifica. A luta política corre o risco de perder sua eficácia se não acompanhada de teoria e estudos resultantes da investigação sobre a realidade. Desenvolver pesquisas que possam cumprir este papel é outra meta que estabelecemos. O intercambio entre os movimentos sociais e os povos assegurem a integração das lutas e experiências que, a cada dia, adquirem um caráter internacional, como o movimento anti-imperialista e contra a guerra tem demonstrado. Para nós, brasileiros, tem particular importância o relacionamento com os povos da America Latina e da Africa, respectivamente nossos parceiros na luta contra o imperialismo americano e vitimas de um genocídio anunciado e concretizado diariamente.

Fortalecer um amplo movimento de solidariedade aos povos colombiano, palestino e outros povos em luta, semelhante ao movimento de apoio à República espanhola durante a guerra civil (1936-1939), onde se destacaram as Brigadas Internacionais, é um caminho de ampliação do efetivo internacionalismo e intercambio entre os povos. É ciente destes desafios e retomando seus objetivos de dotar às organizações da sociedade civil dos instrumentos mais adequados para a formação da consciência critica e da cidadania plena que o CEPPES recomeça suas atividades.

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